Pediatras querem deixar de ser os vilões do desmame precoce
Por Fernanda Ravagnani
SÃO PAULO (Reuters)
Os médicos, e não as mães, são os maiores responsáveis pela interrupção precoce da amamentação exclusiva no Brasil. O diagnóstico é deles, e a vontade de mudar essa realidade explica a lotação do colóquio "Dúvidas do pediatra sobre amamentação", durante o Congresso Brasileiro de Pediatria, que se encerra neste sábado em São Paulo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os bebês sejam alimentados somente com leite materno durante os 6 primeiros meses de vida, e que a amamentação seja mantida como complemento até os 2 anos de idade. Mas dados do Ministério da Saúde mostram que no Brasil a amamentação exclusiva dura em média apenas 23,4 dias. Em São Paulo, a média é de apenas 9,2 dias.
Segundo Hugo Issler, pediatra da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, os médicos são os maiores responsáveis pela introdução de fórmulas (leite em pó) para complementar a amamentação. "Nunca encontrei, em 20 anos de trabalho, um caso em que precisasse complementar (o leite materno)", disse ele durante o evento.
A coisa parece simples, mas na verdade é tão complicada que, em meio a campanhas do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pediatria na Semana da Amamentação, a sala cheia de profissionais bem-intencionados foi inundada por dúvidas que refletiam as das pacientes. Como fazer o bebê dormir à noite? E se o peito fica muito cheio? E o bebê que não chora? E se o bebê não ganha peso alimentado apenas ao seio materno? E se não aceita o leite ordenhado? Pode dar água? E chá?
A primeira das conclusões que resultaram desse caldo de dúvidas se resume numa frase: "É normal." Os pediatras ressaltaram que é preciso mostrar segurança e tranquilidade para garantir às mães que é normal que os bebês chorem e acordem à noite, que é normal que o seio pareça "murcho" às vezes, durante as crises transitórias de lactação, e que uma perda de peso ocasional do bebê não é motivo de desespero.
A recomendação é que, diante de um bebê que não ganha peso ao ser amamentado, o pediatra esgote todas as possibilidades: faça exames tanto na mãe como no bebê para investigar se há infecções, disfunções hormonais ou até síndromes genéticas e metabólicas.
Além disso, ações importantes como o contato do pediatra com a mãe antes do nascimento da criança para orientá-la sobre o assunto e o apoio de grupos de mães também evitam que a amamentação seja interrompida sem necessidade.
Os pediatras precisam mais que tudo ouvir a mãe para entender o que está atrapalhando a amamentação, antes de sair receitando leite em pó, explicou Keiko Miyasaki Teruya, co-diretora do Centro de Lactação de Santos. Fatores como o estresse ou até a depressão pós-parto são difíceis de detectar e podem atrapalhar a produção de leite.
Outras sugestões foram monitorar o peso do bebê com intervalos de pelo menos uma semana, para evitar distorções, e acompanhar a criança em consultas quinzenais, e não mensais, como é praxe, nos três primeiros meses de vida.
Teruya atribuiu os problemas também ao número insuficiente de horas dedicadas ao estudo da amamentação no currículo de formação dos pediatras brasileiros.
DIREITO, NÃO OBRIGAÇÃO
Mas o incentivo à amamentação exclusiva passa longe do patrulhamento e do "terrorismo". "Não adianta forçar a mãe que não quer amamentar a fazê-lo, porque a criança não ganha peso mesmo assim", disse Teruya.
"Não podemos fazer propaganda ameaçadora à mãe", recomendou Issler. De nada adianta aumentar a pressão sobre ela mostrando pesquisas que provam que bebês amamentados exclusivamente são mais inteligentes, por exemplo.
O consenso foi que a amamentação é um direito, e não uma obrigação. Mas os benefícios mais do que comprovados do leite materno valem todo o sacrifício para esclarecer e incentivar as mães a amamentar.
E, para não deixar ninguém curioso, as respostas às dúvidas acima mencionadas foram: para o bebê dormir à noite, pode-se tentar dormir junto com ele, pelo menos nos primeiros meses de vida.
Se o peito fica muito cheio, recomenda-se ordenhar o primeiro leite e congelar, oferecendo ao bebê o leite posterior, mais rico em gordura, e guardando o congelado para os períodos em que a produção naturalmente diminui -- como no fim do dia.
Se o bebê não chora, não precisa acordá-lo para mamar -- basta acompanhar se ele está crescendo bem. Se não estiver, aí sim é preciso "ser britânico" e despertá-lo a cada três horas.
Para dar o leite ordenhado, é preciso usar um copinho, uma colher ou uma seringa, nunca uma mamadeira. O pediatra deve saber ensinar a fazer isso. E não, não pode dar água nem chá.
http://noticias.uol.com.br/inter/reuters/2003/10/11/ult27u38739.jhtm#
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